quinta-feira, agosto 31, 2006

O país é uma grande churrasqueira

Quando a matéria-prima ou o produto final como matéria-prima acessória são excelentes, tenho a ideia de que se deve ser muito parco nos temperos, ideia de resto hoje comum. Isto não quer dizer que aceite voltar à Idade da Pedra, como, na generalidade, parece estarmos a voltar com tantos grelhados nas ementas, com tanta churrasqueira por aí, onde assar uma costeleta de novilho, um frango, umas febras de porco é tudo a mesma coisa, a mesma intensidade de calor, o mesmo manejo: pôr na grelha, virar e revirar, até a peça estar douradinha, assim é que é bom, assim é que os clientes gostam, costumam dizer os responsáveis: tudo seco como a sola da Nau Catrineta, que põem a demolhar no estômago, de preferência com cerveja.

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quarta-feira, agosto 30, 2006

Sopa da Gafanha ou sopa gafanhoa (Aveiro)

Que sopa de bárbaros, poderá dizer algum fundamentalista da nova cozinha. No entanto, é das sopas que mais gosto, muito embora eu não seja medida de nada, senão de mim mesmo. Não tenho top ten de sopas, caso contrário, seguramente, esta constaria dele. No entanto, como sabemos, os fundamentalistas são casmurros, ou casmurros e pouco inteligentes, de modo que não querem saber de mais nada, salvo daquilo que os obsidia, e assim vivem a vida na estreita estrada dos seus olhais.

Mas deixemo-nos de prolegómenos psicológicos: é uma sopa de Inverno, sucede é comer-se também agora, época em que aparece o feijão de debulha, assim chamado porque se compra (ou se colhe) em vagem ainda, já meia seca mas não de todo, o feijão formado no tamanho e na cor, mas tenro. Por isso é que tem de debulhar-se o feijão, o feijão de debulha. Pode encontrar-se em mercados e feiras nesta altura e, depois de debulhado, congela-se directamente para todo o ano.

Como cozinho muito com o olhómetro, não sei de quantidades. A sopa não deve ficar espessa nem rala; o feijão e a massa meada devem sentir-se bem presentes; o tomate, ser bem vermelho e generoso, dar gosto à sopa e pontuá-la aqui e além como na imagem; o caldo, saber a presunto.

1 batata grande.
Feijão de debulha.
Massa meada
Uns 3 tomates médios aos pedaços.
Banha boa (cheire-a sempre: a melhor é a que cheira a torresmos).
Sal.
Osso de presunto ou pedaço de presunto com gordura.
Carnes (facultativas, para se comerem cozidas, depois da sopa): orelha, chispe e entremeada salgados; chouriça; vitela.

Pique 2/3 da batata como se fosse cebola para um estrugido, e ponha-a a cozer, juntamente com 2/3 do feijão, temperados de sal. Quando cozidos, adicione o presunto (e as carnes, se for caso disso). Deixe cozer. Adicione o feijão e a batata restantes em dados pequenos como se entrevêem na imagem e, uns dez minutos depois, o tomate aos pedaços. Tempere com banha, rectifique de sal e sirva.

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terça-feira, agosto 29, 2006

No tempo das vindimas

Estão aí os figos vindimos (pifei-os no Ovo Estrelado) e não tardam os marmelos. Ainda tenho compota desses figos, inteiros, da época passada, de modo que este ano não faço nenhuma. Aconselho, no entanto, a que não se perca a oportunidade. Figos pequenos, escolhidos, no máximo com 2,5 cm de comprido, pelo método que tenho dito. Docíssimos e macios, podia mesmo acontecer que as freiras do passado, se os tivessem feito, os baptizassem com um nome ocultamente erótico, como acontecia às vezes aos doces conventuais. Poderiam chamar-lhes, por exemplo, beijinhos do Paraíso...



Quanto aos marmelos, todos os anos assisto, impávido, a fazerem aqui não sei quantos frascos de doce que depois não se come, tão duros e encortiçados ficam os pedaços de marmelo. Este ano, que façam apenas a marmelada. O doce, ou melhor, a compota, será comigo. Já tenho ideias próprias, sabores e cores de Outono para ela. Depois contarei.

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segunda-feira, agosto 28, 2006

Aperfeiçoando uma compota para o futuro

Abri um frasco de compota de alperce descascado, embalada vai para dois meses. A outra compota de alperce que fiz foi com casca, como se pode ler aqui. Segui o meu lentíssimo método de fazer compotas, o que preserva não só a integrida da forma dos frutos, como os torna muito macios e doces, como se fossem de ovos moles perfumados.

Se a pele me pareceu dar uma textura áspera, bastante desiquilibrada face à maciez dos frutos, tê-los descascado causou-lhes uma forma demasiado frágil, ao ponto de se não distinguirem já os meios damascos. Ficaram invertebrados, passe a imagem.

Sucedeu ter-se dado conta de que, na compota dos alperces com casca, a pele saía com muita facilidade, mantendo-se a forma deles. Donde, para o futuro, só farei compota de alperces com casca. Na altura de servir-me deles, para fazer alguma sobremesa ou para comê-los mesmo assim, retirar-lhes-ei a pele.

Falta saber se, acabada de fazer a compota e retirada a pele, os meios alperces aguentam no futuro a forma original. Mas como isto só teria importância se a compota fosse para ser comercializada, talvez me fique por aqui, o que duvido, com a mania que tenho do perfeccionismo.

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sábado, agosto 26, 2006

Dentro de quatro meses, hei-de ter uma máquina fotográfica no sapatinho...

Já que estava com a mão na massa, antes da meia desfeita, fiz a maionese de limão para acompanhar uns camarões de Moçambique, como entrada do jantar que preparei e não comi, como disse. Vá lá saber-se porque Deus ou o Big Bang fizeram das coisas boas um pecado... Entretanto, dos 3,5 kg que ganhei em tão curtas férias, já só falta perder um.

Por semelhança com o sorvete de limão, fiz uma maionese branca: assim dá uma aparência de maior frescura, sabendo nós como as aparências são enganosas: esta maionese contém quase a energia necessária para alimentação de um dia de vida pouco agitada (2.276 kcal).

Usei:

- O vidrado (só o vidrado) finamente raspado de 2 bons limões maduros.
- Depois de retirado o vidrado, o sumo de meio de um desses limões (mais ou menos, a gosto).
- Óleo de girassol (à falta de óleo de amendoim) - 1/4 de litro.
- 2 claras.
- Sal fino.

Bati as claras até dobrarem de volume e ficarem esponjosas como na imagem, sem clara líquida por baixo. Juntei o óleo em fio, sempre a bater com uma vara de arames. No ponto, parei, juntei o sumo, o vidrado e sal. Rectifiquei e pus no frigorífico umas duas horas para o sabor do limão sobressair, sabor que deve ser forte, mais do que o do dito sorvete. Este sabor provém do vidrado, e o acidulado, do sumo.

É uma maionese algo espumosa e muito agradável, boa para o Verão, ligando muito bem com marisco e carne de novilho na brasa. Para o Inverno e para o marisco, já tinha falado, algures neste blogue, da maionese de alhos assados, outra delícia supercalórica. Vi-a no Chefe Simon.

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sexta-feira, agosto 25, 2006

Pensando na meia desfeita









Às vezes penso em como hei-de actualizar este ou aquele prato da nossa cozinha tradicional, rica como poucas e, relativamente ainda mais, se considerarmos que Portugal é um país pequeno.


Andava a cismar há uns tempos na meia desfeita ou bacalhau com grão, um prato nacional, constituido por bacalhau, grão-de-bico, batatas e ovo cozidos, a pensar como havia de apresentá-lo de outro modo, com alguma estética, mantendo os seus sabores. Para os não profissionais como eu, esta busca serve não só para usufruirem o prazer que criar suscita, como para alegria e satisfação, quando não espanto, dos amigos que os provam.


As únicas modificações que fiz ao prato foi a cama em que assenta o bacalhau, constituída por um puré de grão, e às batatas, uma só rodela com casca, ao contrário das batatas devidas à meia desfeita, que são cozidas sem casca. A casca serviu-me apenas de factor estético.

O puré:

Utilizei, por preguiça, grão cozido em conserva que, neste caso, a meu ver, não fez diferença. No copo da vara de bater, pus, para duas pessoas, 200 gr daquele grão lavado num passador. Com a ajuda de um pouco de água, reduzi-o a puré com a vara de bater. Piquei salsa e meia cebola finas, passei meio dente grande de alho no espremedor, juntei aquele azeite que uso (mais do que extra virgem), vinagre de vinho branco, sal e pimenta preta do moinho, misturei bem, e fui rectificando os sabores. Lembro-me que acrescentei salsa e cebola duas vezes, e uma, sal e azeite. Concentrei assim nesta cama os temperos tradicionais, a que o puré ficou a saber sem equívocos.



As batatas:

Cozi duas rodelas grossas de batatas prórias para o efeito, pu-las num pequeno recipiente e cobri-as com azeite a ferver, reservando-as assim. Na altura de empratar, passado um bom quarto de hora, retirei-as e enxuguei-as um pouco. Consegui deste modo que ficassem mais embebidas de azeite.

O bacalhau:

De uma posta grande de lombo alto fiz duas. Pus um tacho com água ao lume e, quando levantou fervura, introduzi as postas de bacalhau e deixei que a água recomeçasse a borbulhar. Desliguei então e, com o tacho tapado, esperei 20 minutos e retirei-as.

O ovo cozido:

Há nele um erro que se vê na imagem, por causa do tempo que me é sempre pouco. Parti-o com a gema ainda morna. Se o tivesse partido com a gema fria, o corte teria saído liso.

Montagem:


Primeiro o puré, depois a rodela de batata ligeiramente inclinada, de encontro à cama de puré. Em cima do puré a posta, ao lado meio ovo, um ramo de salsa para enfeitar do lado oposto. Um pouco de azeite em redor da armação e umas gotas de vinagre tinto feito em casa.

Fiz este bacalhau, mas não o comi. Fiquei a vê-lo comer. Ainda estou de castigo, a fazer a digestão de há uma semana atrás, por exemplo de coisas destas, lá para os lados de Jabugo:




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domingo, agosto 20, 2006

E voltei

Não há nada que dure sempre. No entanto convenhamos que, se durasse, a vida seria muito mais monótona, e não teríamos a expectativa do bom que nos tocará viver depois do já vivido.

Reportando-me ao tema deste blogue, cheguei de Espanha com um peso que terei de perder a duras penas. Sou dos que, comendo um quilo, engordam dois. Uma desgraça.

Mas quem poderia esquecer aquele tomate doce, firme e quase gelado, em fatias, temperado com sal grosso e azeite? Penso fosse da variedade Raf. Não é um destaque modesto, é um destaque justo entre quanto de bom comi (não vivo para comer nem como para viver. A mesa é só um dos meus prazeres).

E destaco esse tomate, por exemplo, acima de uns pequenos e deliciosos "croquetes de Verão com salmorejo de abacate" (croquetes de gão-de-bico e anchovas) na imagem à direita, que faziam parte de um menú de degustação, e também de um Pedro Ximénez de 1927, cheio de passas e noz, espesso e negro, além de uma surpreendente maionese de limão, que um dia destes farei e de que darei conta aqui.

O tomate, esse calhou-me com alguma sorte em três refeições. Nem vos conto nem vos digo mais acerca dele. Seria uma redundância a beirar o masoquismo.

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sexta-feira, agosto 11, 2006

Volto já

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Fechando o jantar



Este pudim é de minha autoria, e fi-lo para acorrer à sugestão dada por Cerise. Tem algo de old fashion. O certo é que o criei há uns meses baseado no flan. Desta vez introduzi-lhe mais modificações e fui obrigado a fazer outras. Agora de flan já não tem nada. Vão algumas palavras entre parênteses em castelhano, supondo que as outras se percebam. Afinal, na Península Ibérica, somos todos primos, mesmo Laollasuiza que veio do lado de lá do Monte Branco para a Andaluzia e promove os concursos HEMC sem vencedores nem vencidos, de que este é o segundo.
Vamos às quantidades, que são indispensáveis, aqui não há olhómetro (ojómetro...):

6 ovos com mais de 73 g, inteiros.
6 gemas de ovos do mesmo calibre, descartando as claras.
250 gr de açúcar mais algum para fazer um caramelo ligeiro.
200 ml de nata (crema) pasteurizada a 30% de gordura (não daquela UHT, de longa duração).
300 ml de leite
120 gr de ameixas secas (ciruelas pasas) sem caroço (hueso) + 12 ameixas iguais para decorar.
100 ml de Porto aromático (10 anos).
Gelado de baunilha.
Bolachas (biscochos) para gelado.

Bata os ovos, os inteiros e as gemas, e o açúcar com um garfo (tenedor), bem batidos.

Num mixer eléctrico ponha o leite, as natas, os 120 g de ameixas secas, 50 ml de Porto. Bata tudo até ficar numa papa.

Junte-a aos ovos batidos com açúcar e mexa (mescle) bem.

Passe o caramelo pela forma (o melhor é usar forma lisa), retire o excesso e reserve. Ponha a forma no frigorífico (nevera) para o caramelo engrossar. Disponha as ameixas como na figura (para a próxima cubro o fundo todo com elas), calcando-as, para que se agarrem melhor ao caramelo. Deite com muito cuidado a mistura do pudim sobre as ameixas, com a ajuda de uma concha (cucharón), com a qual, sempre cautelosamente, esgotará a massa do pudim. Verifique com o dedo, mergulhando-o, se as ameixas ficaram no sítio, senão ponha-as lá de novo.

Junte as ameixas que sobraram de enfeitar o pudim ao caramelo que não foi necessário. Dê-lhe um aquecimento com as ameixas, desligue e junte o restante vinho do Porto.

Leve o pudim a cozer em banho-maria, vedando a tampa com um pano (pañuelo) e tapando o tacho (cazo). Demora mais de uma hora a cozer. Utilize o velho método do palito para ver se está cozido. Se estiver, deixe-o arrefecer completamente antes desenformar (desmoldar). Desenforme-o e, passado algum tempo, escorra com cuidado a mistura de soro e açúcar que escorre do pudim. Na sua vez junta o novo molho de vinho do Porto e caramelo com as ameixas, mas não na ordem parva, de tão simétrica, em que as pus, como se vê na foto. Um pequeno monte ao lado teria ficado bem melhor Deixe o pudim no frigorífico e sirva uma fatia com as bolachas, uma bola de gelado de baunilha e o molho.

É um pudim que fez juz ao jantar de ontem, à sopa de tomate, às patatas machacadas e ao Martinet Bru, que acabei de beber com esta sobremesa.

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"Patatas Machacadas"


Nunca esqueci estas batatas desfeitas, com um pedacito de carne entremeada frita em cima, que, às vezes, me punham com uma Mahou na Cervejaria Víctor, em Madrid, sem pagar mais por isso. Era quando, entre 2001 e 2003, repartia a minha vida, por razões profissionais, entre Madrid e esta cidade onde moro, metade da semana lá, metade cá (não, não sou da classe política, felizmente).

Foi o próprio Víctor que me deu a receita e que agora melhorei apenas num tempero: o pimentão. Em vez do comum, usei pimentão doce de La Vera, um pimentão fumado, que nada tem a ver com o pimentão comum em sabor e qualidade.

É algo de outro mundo. Daí, quando for a Espanha, procure-o num hiper, e traga-o sem hesitar, isto na pressuposição de que não o tem. Também há lojas de delikatessen na Net que o vendem. É só googlar com "Pimentón de La Vera" e procurar.

O que é preciso:

Batatas próprias para cozer e cozidas sem casca q.b.
Carne de porco entremeada em tiras, mais gorda que magra - 250 g por pessoa.
Sal, pimentão doce de la Vera ou outro, na falta deste.

Esmague as batatas com um garfo, uma por uma, e vá-as juntando num recipiente. A ideia é que faça assim um puré, e se for algum pedacito de batata por esmagar não se rale muito, embora no que fiz, depois, só me tenha surgido um.

Corte as tiras de entremeada em pedaços nem grandes nem pequenos, e frite-os em lume vivo, numa sertã com um pouco de água, temperados apenas com sal. Vá repondo a água sempre que se acabe. Quando a carne estiver com ar de cozida deite o molho todo nas batatas desfeitas. Continue a fritar até que as carne comece a espirrar, a largar francamente a gordura e a ficar tostada. Está pronta. Apague o lume e deixe-a ficar na sertã a largar mais gordura e sucos. Se a carne da barriga não for pelo menos 50% gorda, adicione uma boa colher de sopa de banha à carne que está a fritar.

Junte a gordura e o suco às batatas desfeitas. Retire as tiras fritas, reserve em lugar quente e leve as batatas desfeitas a aquecer na sertã. Quando quentes, retire-as do lume e junte uma colher de chá de pimentão. E já está. É só pôr tudo numa travessa sem enfeites nenhuns. A riqueza humilde destas batatas é tão grande que me impediu de juntar o quer que fosse.

Se comer as batatas não muito quentes, o sabor adocicado e a fumo do pimentão de La Vera torna-se mais vivo. Realço também a excelente ligação deste sabor com a carne de porco.

Vinho? Ah, vinho! Falem-me de vinho! Tinha de ser um vinho de Espanha e de uma região de grande excelência para tintos: Priorato.
Desceram as escadas, foram-me à garrafeira e trouxeram um Martinet Bru 1994, com 13,5º, muito macio, a cor muito pouco oxidada para a idade, com aromas especiados e a compota escura, ameixa preta, uva passa, uma perfeita absorção do álcool, que não se sente nem no nariz nem a beber (escorrega...), um final persistente como se fosse uma saudade de o termos bebido. Garnacha, Merlot, Cabernet Sauvignon, Syrah são as castas de onde proveio.
Até me esqueci do Vinha Pã 1995, de Luís Pato, que tinham trazido à cautela - outra preciosidade. Tem de voltar para a garrafeira, já nem me lembrava.

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quinta-feira, agosto 10, 2006

Uma sopa de excepção

Sopa fria de tomate com queijo de cabra da Quinta dos Moinhos Novos, salpicão da Serra do Montemuro e croutons.


Escolha 1,5 kg de tomates grandes e muitíssimo maduros, de preferência de regiões quentes, como o Douro, ou o Alentejo e o Algarve interiores, que têm pouca acidez.

Cubra o fundo de um tacho com azeite, corte duas cebolas médias em meias luas finas e um alho francês grande às rodelas e leve a refogar muito lentamaente, até tudo estar transparente e sem nada queimado (meia hora ou mais).

Junte os tomates partidos aos bocados, misture, tape o tacho, ponha em lume vivo, vigiando, até levantar fervura, e depois em lume muito lento no bico ou no disco mais fraco. Conte com duas horas, mais coisa, menos coisa.

Com a ajuda de uma espátula larga, passe tudo com a varinha mágica, e depois pelo coador chinês para uma vasilha, com tanta paciência que só restem no fundo do coador as partes sólidas, sem uma pinga de caldo.

Obtém assim um puré líquido algo espesso. Adicione água gelada para o diluir, mantendo-o no entanto como um puré. Creio que já todos teremos comido sopa de espargos ou de cogumelos, daquelas de plástico. É essa a espessura. No fim, obtive 1,45 l de sopa, volume suficiente para cinco pessoas. Éramos quatro. Tempere com sal e, se necessário para cortar alguma acidez, meia colher de sopa de açúcar (empreguei dextrose, de um doce mais suave e delicado, mas pode ser açúcar branco vulgar, sacarose, portanto). Deixe arrefecer e leve ao frigorífico. O melhor é preparar a sopa de véspera para que fique bem fria.

Adereços que empreguei: queijo de cabra, salpicão deste (está uma maravilha) e croutons. Pensei, enquanto comia a sopa, que queijo fresco com dois ou três camarões descascados em cima também iria bem.

O queijo de cabra da Quinta dos Moinhos Novos, que só encontro no Pingo Doce, sendo de inspiração francesa, é muito melhor do que a tralha gaulesa que se encontra por cá, queijos em geral baratos para se poder ganhar mais. Com algumas excepções, entre as quais o divino Roquefort Papillon.

É uma delícia, esta sopa, e uma das melhores que comi (por isso - passe o que não é jactância - tem que ser mesmo fora de série). Quem a criou, servia-a quente, sem adereços. Provei-a fria e achei-a assim dez vezes melhor, passe o exagero da frase idiomática. Donde só uma pequena parte, e a menos importante desta criação, é que me pertence.

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sábado, agosto 05, 2006

Um aspic de carne de vaca: a errar se aprende

Fiz este aspic mais que frio, bem gelado, conforme prometi. Estava bastante bom e melhor estará quando, da próxima vez, introduzir as alterações que vou indicar. Acompanhei-o com meio pêssego (fresco, descascado), saído do frigorífico, e espargos verdes grelhados frios, temperados só com o tal azeite de V. N. de Foz Côa (nem sal levaram nem fez falta), um casamento de sabores que saiu feliz.

Esta peça na imagem imediatamente abaixo é a tal que refiro. Quando se desossa a pá, é a parte do meio, bem distinta. É, de facto, bastante boa para assar e para estufar. Só que desta vez saiu dura. Donde, para a próxima, à cautela, usarei lombo.














A peça pesava dois kg. Parti-a ao meio e atei-a em forma de paio, tal como farei de futuro com o lombo. Temperei-a com sal antes de a levar ao lume, para ceder melhor os sucos.













Cobri o fundo do tacho com azeite, deixei-o aquecer em lume vivo e volteei a peça até ficar tostada por todos os lados. Mudei o tacho para o bico mais pequeno com o fogo no mínimo. Adicionei uma cebola pequena inteira, tapei e deixei estufar a carne lentamente, a que fui adicionando uns goles de caldo bastante concentrado de chambão. Ficou pronta quando atingiu os 70ºC no seu interior, medidos pelo termómetro.













Fiz o caldo de chambão por dois motivos: porque, no talho, não havia mão de vaca e por, depois desta, ser a peça com mais gelatina. Outro erro. A gelatina do molho saiu-me mais branda do que imaginara. Da próxima vez, usarei gelatina em folha, em porporção um pouco menor do que a indicada na embalagem, para que não fique tão firme como a dos pudins.















Outra particularidade dos meus erros, que de futuro corrijirei, é que não cortei a carne em fatias suficientemente finas para que se defizessem na boca, como se fossem de fiambre. Este ponto é muito importante, pensando na antecipação dos dois tipos de textura: a da geleia feita à base do molho e a da carne assim fina, ambas misturadas, potenciando-se em sabor.














No dia seguinte, desengordurei o molho. No frigorífico, a gordura da carne e o azeite solidificaram e, assim, pude separá-los como se vê na imagem acima.













Interpus, arrefecido, o molho da carne gelatinado entre as fatias de carne, umas sobre as outras, fatias que cortei demasiado grossas. Ainda outro erro. Deveriam ter sido, como afirmei, quase como as de fiambre para sanduíches.












Da próxima vez, arranjarei como que um cortante-forma redondo para as fatias de carne. Desse modo, ficarão mais bonitas e as sobras poderão aproveitar-se para outro fim. Colocarei o cortante-forma num prato, com o fundo vedado por uma massa crua de farinha e água, onde, pacientemente, alternarei as fatias de carne por ele desenhadas e o molho gelatinado firme, as fatias de carne ligeiramente aquecidas no microondas para se colarem à gelatina. Cobrirei com o molho em gelatina futura, que enfeitarei com algo vermelho. Duas framboesas mergulhadas no aspic e um cornichon? No dia seguinte desenformo-o como de costume: com paciência e com um pano nergulhado em água quente e espremido.

Vinho? Nenhum. Só isto. Nos dois últimos dias, por restaurantes de trabalho, votei-me à sangria. Como a sangria não liga, fiquemo-nos por água bem fresca. Não me apetece indicar mais nada.

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quinta-feira, agosto 03, 2006

Uma ginja boa para se exercer a virtude
da paciência e a arte de saber esperar

À última hora, já lá vai mais de um mês, arranjei 750 g de ginjas, depois de tirado o pé. Arranjei também aguardente vínica com 77º (ou 77% de álcool), que rebaixei com água do Luso para 40º (%), de modo a obter 1 litro, pela seguinte regra de três:

77 --------------- 1
40 --------------- x

x=40:70 x=O,520

Precisei pois de 520 ml de aguardente a 77º(%) e de 480 ml de água para obter o tal litro com 40º(%) de álcool.

Num frasco pouco fotogénico, pus 200 g de açúcar, as ginjas e a aguardente rebaixada. Esteve assim um mês no escuro.

Passado esse tempo, ou seja anteontem, mudei-o para um frasco de boca larga. Na imagem acima, ainda se vê a espuma de o ter feito havia pouco. Juntei-lhe 700 g de baga de sabugueiro bem madura, que ripei dos cachos (estamos no tempo dela), mais 3 olhos de hortelã, retirados passadas 12 horas, e 3 paus de canela. Fui agitando o frasco para a baga soltar a cor, que é para o que serve: não dá nenhum aroma ou sabor. Ganhou, sim, a cor carregada de um carrascão espesso.

Coei o líquido, separando a baga, de que me descartei, reservando porém as ginjas, como se vê na imagem à esquerda, a serem escolhidas para depois se juntarem ao licor coado.

Como o licor está com bastante força alcoólica, suponho que com 35º, no sábado vou acrescentar-lhe 300 ml de água do Luso, rebaixando-o assim para cerca de 20 a 25% de álcool, e 280 g de açúcar, para atingir os 400 g por litro. Depois é engarrafá-lo e esquecer-me dele. Se o blogue durar até abrir as garrafas, não esquecerei de me louvar aqui a mim mesmo.

Já tinha feito esta ginja há anos, é da autoria da minha cabeça às vezes delirante, que este ano lhe deu para juntar um pouco de hortelã, na esperança de que, ao abrir a garrafa, o seu aroma fresco seja apenas uma longínqua sugestão.

Nota: à parte, quero dizer que a baga de sabugueiro foi usada para dar cor aos vinhos verdes tintos, o que era e é proibido. No entanto, sublinho que é aplicada hoje como corante natural na indústria alimentar, por exemplo, nos iogurtes de morango, de framboesa, de frutos silvestres...

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