segunda-feira, janeiro 29, 2007

Velouté de coco com camarão, coentros e pimenta vermelha

Pelos vistos, na terra deste vosso blogue, o tempo está para sopas a escaldar. Hão-de pensar que sou sopeiro, salvo seja. Não sou, mas andava há algum tempo a pensar numa sopa de caril. Fui comprar uma lata de leite de coco tailandês e camarões já descascados, que se os descascasse eu caíam-me os dedos de frio com o gelo que para aqui vai. Fiz um refogado com cebola picada e azeite mais que extra virgem, e deixei a cebola cozer no azeite, a que juntei 1 dente de alho, 1 tomate pequeno partido com casca e tudo, 1 ramito de coentros e mais tarde meia colher de massa de pimentão. Deixei apurar. Obtido o estufado, juntei 1/3 do leite de coco da lata e temperei de sal e pimenta preta do moinho. Estava feita a base da sopa de caril.

Nesta altura provei o caldo, e foi aqui que mudei de rumo. Ainda tinha de cozer à parte um pouco de arroz ou de massa, não me decidira ainda por qual, era tarde, estivera a fazer este bolo de azeite, depois de ter atendido ao S.O.S. nos comentários, já bastava de cozinha, e não pensei mais em caril.

É que tinha descoberto uma outra sopa. Uma sopa fora do comum. Aveludada como se tivesse levado só natas. Acrescentei o resto da embalagem de leite de coco, um gole de água e rectifiquei de sal. Deixei que fervesse e coei, deixando apenas o caldo. Acrescentei meia dúzia ou um pouco mais de camarões do tamanho 30/50, e vigiei a cozedura, que foi mais demorada que apenas em água e sal. No prato de sopa colocara já uns grãos de pimenta vermelha, picara entretanto coentros e aquecera no microondas um nada de concentrado de tomate de bisnaga.

Então foi só pôr a sopa no prato, espalhar os coentros picados, distribuir em duas partes a massa de tomate e comer. Estava bem boa, e melhor ficaria se, em vez de camarão, tivesse estufado perdiz ou galinha e usasse uma pequena parte dela e do molho. Fica para a próxima, que há-de ser em breve.

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quinta-feira, janeiro 25, 2007

Uma sopa de amêijoas



Já fiz esta sopa bastantes vezes. Talvez isto funcione como garantia da sua excelência que, apesar de parte dos seus componentes, tem um sabor refinado. A receita é de Karlos Arguiñano, que li não sei onde. Tenho um livro da sua autoria, “1069 Recetas”, mas não a vejo aí. Não sei se tenho mais alguma coisa dele, é provável que sim, no meio da desorganização em que está parte dos meus livros.


Arguiñano baseou esta sopa, que é de origem espanhola, na sopa de alhos. Fi-la no domingo passado, com as amêijoas que tinham sobrado deste bacalhau, por as ter comprado a mais. Tenho acrescentado ovo batido, que revolvo com a sopa a ferver.

Pão de véspera: uns 30 g por pessoa.
Amêijoas pretas, 125 g por pessoa (Arguiñano, lembro-me, indica 250 g para 4 pessoas, mas é pouco)
Alhos, a olho, laminados.
Azeite - a cobrir bem o fundo da panela.
1 colher de chá de pimentão doce por pessoa
½ ovo por pessoa
Água - 300 ml por pessoa.
Sal q.b.

Frite os alhos laminados no azeite e quando começarem a ficar louros, deite o pimentão e o pão fatiado, e frite-o também. Não se preocupe se os alhos ficarem escuros, e alguns, pretos. Dão um sabor muito especial à sopa. Nas receitas da sopa de alho e da sua derivada castelhana, muitas vezes dizem para os retirar, mas não na de Arguiñano. Apareciam até umas três ou quatro lâminas de alho carbonizadas na imagem. Quanto a mim, tiro-as depois da sopa feita.

Quando ouvir o pão a arranhar tacho está frito. Nessa altura, acrescente a água necessária e deixe ferver a sopa, tapada, meia hora ou mais. Nunca menos. Vá repondo a água que se evapora. O pão deve ficar macio. Quando chega a este ponto, acrescente o ovo, mexa, e logo a seguir ponha as amêijoas. A sopa está pronta mal abram. Rectifique de sal e sirva.

Foi o meu jantar de domingo passado, a semana está quase no fim e só agora é que tive algum tempo para a pôr aqui.

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segunda-feira, janeiro 22, 2007

Um novo blogue

Este post ficou pendurado sem eu ter dado conta. Não consegui então fazer uma ligação pop up, e depois ficou como se viu, incompleto, pendurado.

Sob o lema "No masculino é que se torce o pepino", nasceu há poucos dias o Cozinha com Tomates, o que não deixa dúvidas de que o pessoal de lá pertence ao sexo forte assim chamado, qualificação contestável, coisa, no entanto, que não vem de todo ao caso. Importa é que o pouco que ainda há para ver já justifica que se recomende a visita.

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domingo, janeiro 21, 2007

Uma sobremesa a que, por agora, não dou nome, já basta o despautério deste blogue e meu de andar a pôr aqui coisas destas.

Estava para fazer esta sobremesa com queijo parmesão. Deu-me a teimosia de que tinha que entrar massa brick nela. O parmesão não entrou porque era um queijo delicado de mais para um chocolate negro tão forte. A massa brick, que fora comprar de propósito, não fez parte porque, simplesmente, não vi nem lugar nem justificação para ela. Isto vem a propósito das vicissitudes de imaginar coisas que depois se têm de mudar na hora. Uma sobremesa trabalhosa e hipercalórica, e de ligações fortes em decrescendo, para se terminar na suavidade fresca da mousse de framboesas. Própria para um jantar de arromba, pois se já se está arrombado, arrombado mais um pouco não faz mal nenhum, apetece-me pôr aqui um smile.

Para a gravilha de chocolate: derreti numa tigela esmaltada, sobre um tacho com água, em lume mínimo, sem tocar na água, 50 g de manteiga sem sal e, nesta, depois de derretida, 90 gr de chocolate negro de cobertura bastante amargo, com 70% de cacau, partido miudamente.

Quando se derreteram ambos os elementos ( não é preciso que a cobertura se derreta completamente), misturei tudo e obtive uma pasta lisa.

Adicionei pimenta preta do moinho à mistura, para tornar ainda mais potente o chocolate e mais forte a ligação com o queijo que escolhi: o Roquefort.

Já tinha imaginado uma mousse de framboesa muito fresca para suavizar, quer pela leveza, quer pela acidez, primeiro a potência do chocolate, depois a ligação com o Roquefort em que ainda não pensara (e que é perfeita, na minha opinião). Para a mousse, usei 100 gr de framboesas congeladas, que deixei descongelar naturalmente. Depois desfiz os frutos com a varinha e separei a polpa e o sumo das grainhas com um coador, ajudado por uma colher. No lado direito da imagem acima, já se vê chocolate pronto para quebrar em pequenos pedaços e assim obter a gravilha. Praticamente duro, obtive tiras enrugadas ao fazê-las com a ajuda de uma simples colher de pau, abrindo estradas no fundo da tigela.

Obtida a polpa e o sumo, livres de grainhas, era altura de fazer a mousse. Pus de molho em água fria1 folha de gelatina incolor, durante cinco minutos. Aqueci o puré de framboesas no microondas, mas não excessivamente, isto é, sem levantar fervura, de modo que um dedo aguentasse bem a temperatura. Misturei a gelatina escorrida, que derreteu na perfeição. Deixei arrefecer até querer começar a prender. Entretanto, tinha batido uma clara de ovo em castelo firme, adicionando depois duas colheres de sopa de açúcar e continuando a bater, obtendo assim um merengue forte. Desse merengue retirei duas boas colheres de sopa, que misturei lentamente ao puré de framboesa na altura dita acima. Com movimentos de baixo para cima, lentos e circulando com a tigela, misturei o puré e o merengue sem rebentar as bolhas de ar, que é o que origina a mousse (a boa mousse). Foi para o frigorífico até o dia seguinte, ou seja, hoje.

O cálice acima é do cherry que fiz há sete meses com cerejas negras e whisky de malte, que já está óptimo. Fiz uma redução com ele. Pu-lo ao lume, numa pequena vasilha, até atingir um terço do volume inicial e deixei-o arrefecer. Tirei do frasco três cerejas (estão bem rijas e impregnadas de licor). Parti o chocolate em pequenos pedaços rugosos e irregulares e o queijo Roquefort do mesmo modo. Era altura de empratar. Primeiro o queijo e o chocolate. Depois a mousse, que estava perfeita e bem fria. Com a ajuda de duas colheres, como os bolinhos de bacalhau, coloquei duas colheradas de mousse no prato. Espalhei um pouco da redução de cherry e coloquei as cerejas.

Também aqui, à semelhança do prato abaixo, há uma ordem de se comer esta sobremesa. Primeiro um pouco de chocolate, depois uma pedacito de queijo embebebido no xarope doce da redução de cherry, o que amortece a força do contraste, e repete-se, às tantas uma cereja que aporta o álcool do licor. A ligação do licor das cerejas com o chocolate e com o queijo é óptima e também como que os suaviza. Só depois de o chocolate e de o queijo acabarem e da última cereja, é que encetamos a mousse de framboesa, bendizendo a sua frescura e leveza e a suavidade do seu aroma. Um final condigno para uma sobremesa destas, que pedia a seguir um bom café, uma boa aguardente e um Romeo y Julieta, e depois um maple para se sonhar com as bendições da vida, longe das agruras do mundo, distância que Morfeu, o deus do sono, nos permite.

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Ontem ao jantar


Entretenho-me às vezes na cozinha. E o que ponho aqui é fruto de um passatempo com que, também às vezes, me abstraio da realidade do mundo. É o que a cozinha tem de bom. Levar-nos para além da consciência do nosso tempo e das nossasa circunstâncias, e enganá-la depois com uma sensualidade tão próxima do amor, pese aos ultra-românticos. Do amor pós juventude. Que, na juventude, é uma urgência luminosa e sempre instante, estado que, em gastronomia, equivaleria a uma fome sem limite de coisas boas.

Desculpem-me a mania dos intróitos. Vamos ao nome de baptismo deste prato que vinha a imaginar há dias e que foi ontem o meu jantar. Bacalhau aberto no forno, sobre pão integral de Seia, com pétalas fritas de cenoura e amêijoas à Bulhão Pato. Escrevo estes títulos compridos, não por pedantice, a pedantice é oca, parva e quantas vezes ignorante, mas por necessidade de descrever o prato, de se saber o que se vai comer. Quando abrimos uma ementa com pratos deste tipo, a intenção da descrição é, ou julgo ser essa, saber o que escolhemos.

Chamo a atenção para as amêijoas à Bulhão Pato. Aqui são apenas uma desconstrução, uma desmontagem. A ver com a receita, de que gosto bastante, é só parte do que se aplicou no prato, os alhos, o azeite, os coentros. É um bacalhau muito simples.

Fritei, num tacho com o azeite que tenho, o mais que extra virgem, um dente de alho laminado até tostar um pouco. Retirei-o e reservei. Pus então as amêijoas, umas belas amêijoas pretas do Algarve, meia dúzia por prato. As restantes, guardei-as para o dia seguinte. Farei com elas uma sopa de truz. Mal as 12 amêijoas abriram, retirei-as das conchas com cuidado para saírem inteiras e reservei-as também.

Levei ao forno, a 160ºC durante 20 minutos, numa pequena assadeira, duas postas de lombo limpas, com o molho das amêijoas, mais um pouco de azeite e pimenta preta., não para as assar como é costume, só para lhes abrir as lascas.

Já então tinha cortado rodelas de cenoura tão finas como batatas à inglesa e as fritara. Nunca as fizera, li algures sobre elas no Chef Simon, e imaginei que casariam bem com o conjunto, como na verdade veio a suceder. Chamei-lhes pétalas porque assim me pareceram no aspecto e eram um nada doces e aromáticas na boca.

Fritei em azeite, do tamanho das postas de bacalhau, duas fatias de pão integral - divino! -, da padaria do Museu do Pão, em Seia (que comprei no Continente deste burgo).

Finalmente fritei um pequeno molho de coentros, é só um ai para ficarem verdes e crocantes, e comecei a montar os pratos. Primeiro, a fatia de pão, sobre ela a posta de bacalhau, um montinho de cenoura frita, as amêijoas, um pouco dos coentros que fritei, os alhos laminados, e finalmente o molho do bacalhau posto só no prato, sem ser sobre nada.

Ganhará se comer, ao mesmo tempo, um pouco de quase todo este conjunto (bacalhau, pão, cenouras e coentros), e depois, isoladamente, uma amêijoa com o alho frito. E pronto. Se um dia fizer este bacalhau não só espanta a sua mesa, como garanto que se consola.

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domingo, janeiro 14, 2007

Bife de filet mignon de novilho com molho de vinho do Porto, esparguete estaladiço e macedónia de verduras braseadas


Voltei à criatividade, à cozinha de autor (se eu fosse cozinheiro), coisa que me dá grande prazer e sempre muito trabalho.

É-me difícil saber exactamente, com antecipação, os pormenores do que vou fazer e, mais, se o que pensei irá resultar. Nunca tinha fritado esparguete nem sei se alguém já o fez – ando sempre a descobrir a pólvora sem fumo... rs –, nunca usara as verduras para sopa que vêm em sacos com gás inerte (Modelo-Continente) para, em lugar de as cozer no caldo, passá-las sem azeite por uma sertã bem quente, em vez do wok que não tenho. Às vezes erro, recuo, e nesta recuei no molho, melhor, fiz outro porque o primeiro preparei-o numa caçarola muito fina e ficou negro...




Mas saiu um bife esplêndido. Passava das quatro da tarde, quando me sentei para me consolar com o fruto da minha toleima por estas coisas. Já não eram horas de almoço. Merecia um Quinta da Bacalhôa 1995 que (ainda) tenho lá em baixo, na garrafeira. No entanto, beber sozinho é coisa que não faço. Prefiro beber água. Acabei foi por não beber nada.

Vamos então por partes:

O esparguete frito:



Cozi um pouco de esparguete em água com sal e corante alimentar amarelo. Cozi também, do mesmo modo, aletria muito fina, cortada e assim vendida, a das imagens do fundo. No final, falarei dela. Retirei o esparguete da água, escorri-o e, num rolho com a mão fechada, levei-o à fritadeira na temperatura máxima até deixar de ficar mole, o que foi num instante.

O molho:



Depois de rejeitar o molho cor de água com carvão, feiíssimo, deitei um fundo de azeite do tal mais que extra virgem numa caçarola de base espessa. Tornei a cortar bocados de carne para guisar, da mais barata. Desta vez aparei o bife e juntei as aparas à carne anterior, e foi tudo (menos o bife...) para a caçarola já com sal. Fritou primeiro brandamente, para largar os sucos, depois em lume vivo para os caramelizar e alourar a carne. Quando a carne estava dourada e os sucos se evaporaram e se agarravam e escureciam, pus uns goles de vinho do Porto de 10 anos (por ser mais aromático e mais claro que o habitual na cozinha, o Dona Antónia). Dissolvi os sucos agarrados no fundo, pus pimenta preta do moinho, juntei água e deixei ferver. Retirei pouco depois a carne (servirá para algum recheio) e deixei reduzir. Provei. Estava como o imaginara, simples e, no entanto, requintado, a saber bem a carne com o toque ácido, doce e aromático do porto reduzido e com um ligeiro sabor a pimenta preta. Finalmente, desengordurei-o.

Os vegetais:

Como disse, vieram de um dos tais sacos para sopa. Tinha alho francês (rama incluída), cenoura, nabo, couve-flor, aipo, cebola e pimento vermelho. Pus a sertã com o fogo no máximo, deitei uma mão-cheia de vegetais nela, temperei-os com sal fino e fui-os volteando de uma lado para o outro. Quando estavam mais ao menos reduzidos a metade (demorou pouco), retirei-os do lume, pus-lhes um nada do molho de carne, tornaram ao lume (brando), dei-lhes duas voltas, adicionei um fio de azeite, dei mais duas voltas e retirei-os para um prato, reservando-os.

O bife:


250 g de filet mignon, vulgo lombinho, 1,5 cm de altura para mais que para menos. Levei-o a uma sertã com azeite bem quente e lume no máximo. Um minuto de um lado, um minuto do outro (não medi o tempo, mas a ter sido mais, pouco seria). As faces caramelizaram num instante. Deitei fora o azeite da fritura e retirei o bife para um prato e aí o temperei com flor de sal e pimenta preta do moinho de ambos lados, é óbvio.

Aqueci azeite novo, sempre do tal, o molho e as verduras, tudo ao mesmo tempo no microondas. O prato já estava quente no forno desligado, bem como o esparguete frito. Depois foi só montar, o azeite, o molho sobre este, um monte de verduras, um pouco por cima o bife e atrás o esparguete estaladiço, que fez as vezes das velhas batatas fritas. E pronto. Um bife diferente e uma delícia. Garanto, desde que a carne seja tão boa como a deste era. Um dos princípios básicos deste tipo de cozinha é as matérias-primas serem de qualidade irrepreensível, já que nada lhes oculta os sabores. Os vegetais estavam divinos, macios, muito mais macios do que é uso comerem-se na cozinha chinesa.O esparguete frito, polvilhado com pimenta preta de moinho, cumpriu o seu papel de alternância estaladiça com o resto das texturas.


No entanto, para a próxima, usarei a tal aletria cortada, a da imagem à esquerda, que não sei se há em Portugal (comprei-a em Espanha). Fritei-a num coador de rede fina mergulhado no óleo da fritadeira. Embora dando um arranjo menos “atrevido”, o crocante é mais suave e o conjunto ganha com a ligação e carrega mais molho, de tal modo que nem dá para fazer sopinhas no fim...

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quinta-feira, janeiro 11, 2007

Um cabrito só na assadeira


Assei este bocado de cabrito há dias. Testava sobretudo o modo de o assar. Pus-lhe sal, algum alho (que para a próxima retirarei), pimenta preta e banhei-o em azeite. Esteve assim mais de 24 horas, tendo as peças recebido algumas massagens, umas 8, espaçadas, é claro, para o azeite penetrar na carne, bem como os temperos. Isto porque a carne de cabrito é um pouco seca. E foi assim a assar, sem mais nada, nem sequer um pouco de água no fundo como é meu costume. Assado, retirei-o do tabuleiro e deglassei a parte agarrada com um pouco de vinho branco e água, que deixei concentrar um pouco. Estava bastante bom, a carne firme e untuosa.

O mais foi preguiça e falta de imaginação. Podia ter ido muito mais longe que este tomatito assado com pimenta preta, orégãos, azeite, sal e queijo da serra depois, uma italianada com sabor português. Além dos já malfadados bróculos em vapor. Podia usar mel de urze, por exemplo, e uma estrutura em massa brick, o rosmaninho que se vê daqui e desossar o cabrito, montando uns pratos bonitos.

Mas não. Foi assim mesmo, às três pancadas. Ando mesmo sem inspiração nenhuma e, sem ela, não me apetece cozinhar.

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domingo, janeiro 07, 2007

Perninhas de Rã ("Rã numa Caixa")


"(...) dispositivo para eliminar as rãs da água potável, da autoria de Leonardo da Vinci. Quando a rã saltava para a armadilha, atraída pelo isco, recebia uma martelada na cabeça. (...)"



"Seca-se uma rã ao sol, dependurada, e, passado algum tempo, quando se tornou completamente negra, as pernas são comestíveis. Mas se eu colocasse uma rã morta, ou mesmo as pernas de uma rã morta numa caixa cheia de gordura de ganso, tendo retirado todo o ar do seu interior e selasse em seguida a dita caixa, mantendo-a fechada durante doze meses, será que essa rã morta mereceria ainda ser comida? E se eu não tivesse um abre-caixas, como é que o poderia dizer? O homem prudente pendura ao sol a sua rã morta."

Desenho e texto in Notas de Cozinha de Leonardo da Vinci. Organização e extratextos de Shelag e Jonathan Routh, Terra Mágica Editores, 2005.

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quinta-feira, janeiro 04, 2007

Bola de carne da Páscoa que um dia passou a ser também do Natal

A Avó já não faz esta bola. O tempo confundiu-lhe o cérebro, escangalhou-lhe a memória. Hoje vive fora do tempo, no entanto ainda varre, rega, é afável e brincalhona como foi, o seu sentido de humor e o seu sorriso não se esvaíram de todo. Só que aos oitenta e muitos anos vive fora do mundo e, como o mundo está, creio que é bom para ela ignorá-lo.

Anos antes de a memória lhe enfraquecer e começar a alterar a bola original, pedi-lhe a receita. A bola da Avó é esta que aqui está, com duas modificações minhas: as carnes são misturadas na massa e não intercaladas entre duas camadas de massa, e uso mais carne gorda do que a Avó usava, por entender que dá mais suculência à bola. Primeiro fazia-se só na Páscoa, depois estendeu-se também ao Natal. Esta fi-la no passado 23 de Dezembro.


O que levou a massa: 1 kg de farinha tipo 65 (é menos fina que a vulgar 55), 40 g de fermento de padeiro, sal, 12 ovos grandes (esta levou 13), 200 ml de azeite. Portanto, é uma massa bastante parecida à dos folares transmontanos, com a diferença de que não leva leite e de que se junta exclusivamente azeite, em vez de manteiga e azeite como o folar. É da Beira Alta bastante interior, abaixo de Trancoso, e faz-se em toda essa região.

Primeiro, fiz um isco com um pouco do kg de farinha e o fermento diluído em água mais que morna, um isco pastoso, com o "ponto" da massa para depois se misturar bem, "ponto" que se vê na imagem acima, à direita, e ainda melhor se verá clicando nela para ficar maior. Pus o isco à lareira, até dobrar de volume. Depois acrescentei-lhe a farinha, o sal, 12 ovos, e amassei bem. Como ainda estava um pouco espessa, acrescentei outro ovo. Tudo bem misturado e amassado (a massa ganha bolhas e separa-se facilmente dos dedos ou da peça de amassar sem se pegar como antes), tudo bem amassado, dizia, foi para junto da lareira até dobrar de volume.

Dobrado o volume, voltou à cozinha para lhe juntar os 200 ml de azeite e para ser amassada de novo, até absorver o azeite todo. Foi de novo para a lareira, até ter dobrado outra vez de volume e ficado com o belo aspecto da imagem acima.


Entretanto partira as carnes, febra da pá e carne da barriga sem coirato, como se vê, um kg e tal ao todo. Cortara em rodelas um salpicão de lombo, uma chouriça, cortara presunto em pedaços, tudo coisa escolhida, que só com boa matéria-prima se faz algo de jeito.

Levei ao lume, numa sertã grande, a carne de porco com sal, alho e um pouco de vinho branco, e aí cozeu, até o vinho se ter evaporado. Deixei arrefecê-la um pouco e misturei-lhe o presunto e os enchidos, cujas rodelas cortara ao meio. Logo a seguir incorporei as carnes na massa, a banha de as fritar e o molho que largaram, tudo bem misturado.

Untei com banha e enfarinhei a assadeira que se vê na imagem (30 x 33 x 7,5 cm), e aí dispus regularmente a massa. Com a ponta do dedo fui ocultando quanto pude a carne que aflorava. Levei-a de novo a bola para a lareira, já era noite alta, vê-se pela cavaca solitária e pelo borralho que as anteriores deixaram na imagem do topo.



Cozeu em forno previamente aquecido a 200ºC. Tal como um bolo, vi que estava cozida com um fuso de espetada. Retirei-a e passou a noite na mesa da cozinha, sobre a grelha do forno, para arrefecer como é devido (ar por todos os lados). Só no dia seguinte é que tirei as três últimas fotos e a provei. Estava como sempre. Óptima. A massa firme, friável, ao contrário das bolas que conheço. Bebida para a acompanhar? Chá. Chá preto bem feito, Darjeeling, Olong da Formosa, o que tiverem à mão, se um dia fizerem esta bola. Muito melhor que vinho. E se certa gente disser que sou um tosco - chá com bola de carne? Onde se viu! -, responderei que essa gente é snobe, no sentido original da palavra, que não será muito vulgar saber-se qual é. (1)


(1) "Snobe, s. Do ingl. snob, importado da gíria dos estudantes de Cambridge que designavam com este vocábulo (que também significava em ingl. ‘homem de baixo nascimento ou de baixa condição’, particularmente 'aprendiz de sapateiro') todos os que não frequentavam a Universidade, aproximando-se, portanto, da gíria coimbrã futrica". In Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

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segunda-feira, janeiro 01, 2007

Para desenjoar das comilanças


Imaginei de repente como ficariam bem os bagos de uma romã numa salada com as frutas da época que tinha à mão: laranja, kiwis, meio abacaxi. Pelas razões aduzidas nesta entrada, não uso frutos que vulgarmente fazem parte obrigatória de saladas. Por outro lado, a calda é muito mais abudante do que é costume ver-se: gelada, sobrenadam nela os pedaços de fruta.

Cortei os frutos como é hábito, debulhei a romã, juntei um cálice de Madeira Boal (doce), misturei tudo na taça, cobri com açúcar a gosto. Pus no frigorífico. Quando o açúcar estava dissolvido e o sumo dos frutos extraído, juntei sumo de meia laranja e água, e tornei a mexer. Ficou assim por 24 horas no frigorífico. No Verão, levaria cubos de gelo.

Quando a saboreei na taça da imagem, tinha o aspecto que se vê. A firmeza dos grãos da romã foram a surpresa de um contraponto à maciez dos outros frutos. A calda fresca, essa aliviaria Baco da pior das ressacas.

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