quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Um ensopado de borrego

As imagens da mousse foram-se. Um dia faço outra, e ainda ficará mais atraente e tão boa como estava a primeira.

Agora vamos para os antípodas destas coisas, para o prato da cozinha alentejana de que talvez mais goste. Costumo fazê-lo segundo a receita que vem na Cozinha Regional Portuguesa, de Maria Odete C. Valente, que sugiro a quem não tenha o livro, pela honestidade e pela abrangência com que trata o tema. Desta vez, porém, introduzi três modificações: uma foi a hortelã que, não há muito, recendia no ensopado de borrego do Restaurante O Bacalhau.

Outra foi tornar o caldo um pouco mais espesso, como certa vez comi no monte de um amigo, perto de Santa Eulália, do concelho de Moura, não um ensopado de borrego, mas de perdiz, uma delícia rara. Esta modificação, pela introdução de, mais ou menos, uma colher de sopa rasa de farinha de trigo por litro de caldo, vem também na Cozinha Tradicional Portuguesa, de Maria de Lurdes Modesto.

É ainda deste livro a última alteração ao ensopado habitual: usei uma folha de louro, sem a nervura central, como aconselha Chalabi Red, e dourei primeiro o borrego (pescoço e falda) em banha e azeite, antes de lhe pôr o pimentão, a cebola picada e os alhos às falhas, o louro, a hortelã, o ramo de salsa, a pimenta preta do moinho.

Feito isto, deixei a carne estufar um pouco, com a farinha bem desfeita em água, e fui adicionando pequenos goles de água simples. Quando estava no ponto que achei bom, adicionei mais água para obter 300 ml de caldo por pessoa. Utilizo sempre esta medida, que é a de um prato de sopa bem cheio, porque, pondo mais, estou a diluir a concentração de sabores. Quando levantou fervura, juntei-lhe umas quantas batatas aos cubos, não muitas, batatas próprias para cozer, um gole de vinagre e ainda um pouco mais de alho.

Cozidas as batatas, pus, numa terrina, o caldo, que coei por um passador, depois de retirar as batatas e a carne para uma travessa. O pão que, naturalmente não era alentejano, foi o mais próximo possível dele, e este próximo é bastante longe. Esta não é uma cidade de pão sequer razoável, em geral. Pus uma fatia no prato; em cima do pão, carne e batatas, mais hortelã e, por fim, o caldo. Estava de se lamber o fundo do prato, salvo seja.

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terça-feira, fevereiro 27, 2007

Disfunções

As imagens do post abaixo desapareceram e não as guardei. Vamos aprendendo com os erros. Para a próxima vez já sei que devo conservá-las.

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segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Mousse de leite-creme queimado e requeijão de ovelha, com mel de urze

Andava com esta sobremesa já magicada desde a semana passada. Vou dizendo que o que me dá gozo nisto é ver sair coisas feitas, não direi obra, porque nada do que faço aqui tem outro intuito que o meu prazer.

Vamos à sobremesa. Fiz um leite-creme que levou:

250 ml de leite
2 gemas
50 g de açúcar branco
5 g de Maizena (1 colher de chá)

Misturei à parte, primeiro a Maizena num pouco de leite frio, depois o açúcar, que mexi bem, e a seguir as gemas. Juntei esta mistura ao resto do leite e coei. Levei a lume brando até atingir 65ºC e retirei. Estava no ponto. Se não tiver termómetro, desligue quando começar a engrossar. De uma maneira ou de outra mergulhe o recipiente em água fria para parar a cozedura, não vá o creme virar. Passei à fase seguinte.

Juntei à mistura um requeijão de ovelha da Serra da Estrela (cerca de 250 g) que desfiz totalmente com a ajuda do batedor (varinha mágica). Aqueci-a no microondas e adicionei 3 folhas de gelatina incolor (5g), previamente demolhadas durante quatro minutos em água fria e bem escorridas. A seguir, fiz um merengue cru, batendo duas claras em castelo, a que juntei quase no fim duas colheres de sopa de açúcar. Misturei com cuidado as claras com a base de leite-creme, gelatina e requeijão, em movimentos lentos de baixo para cima, sem nunca bater, até a mousse estar uniforme. Corrigi a cor com um nada de corante alimentar amarelo. Levei a mousse ao frigorífico e, no dia seguinte, ontem, montei a sobremesa.

Antes tive de fazer o caramelo, que estendi sobre papel anti-aderente. Tinha-lhe juntado um pouco de vinagre para não endurecer muito depressa, de modo a dar-me tempo de fazer uns arabescos. Entretanto, caramelizara metade de uma noz. Dispus no prato 1 concha baixa de sopa com mousse. Coloquei-lhe a placa de açúcar queimado como se vê, passei-lhe uns traços de mel de Barroso, mel de urze, e finalmente dispus a noz. Saiu uma sobremesa muito agradável, a ligação da mousse com o mel de urze é perfeita, o caramelo dá o crocante que faltava juntamente com a noz caramelizada. Foi a sobremesa do meu almoço de ontem.

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Um bife que era ao contrário

Comi este bife num restaurante que era um templo e que já fechou. Um restaurante onde, ao almoço, se selavam negócios com um conforto largamente burguês. Se os preços eram os mais altos da cidade, a cozinha era a melhor, o que nem sempre sucede.

O bife vinha na ementa como Bife Escondido, pela razão de que era apresentado ao contrário da imagem, o bife por baixo, as batatas (muitas mais), a cebola e o molho por cima. Tendo-o feito sempre como o original, hoje deu-me para o desconstruir um pouco, que Derrida me perdoe. De resto, assim tem muito mais razão de ser, quer pelo molho que escorre para as batatas, quer pela apresentação. É um bife eminentemente português, alto, do lombinho, com tudo a saber a cebola, a carne, as batatas, o molho.

Cortei batatas às rodelas grossas, de tubérculos próprios para fritar (que também dão para puré). Aqueci óleo a 150ºC medidos com o termómetro - estou um tecnocrata... - e deixei cozer as batatas no óleo. Cozidas, reservei-as. Fiz o molho para o bife como aqui explico, mas com vinho branco em vez de porto. Cortei finamente meia cebola às meias luas como ensinou o mestre Kuka. Fritei-a em azeite, até dourar, e temperei-a de sal. Escorri-a para a sertã e reservei-a. Tornei a aquecer o óleo das batatas, desta vez até 190ºC. Devolvi as batatas ao seu fervente destino até ficarem douradas. Entretanto juntei a cebola frita ao molho já feito e aqueci o preparado no microondas. Levei a sertã onde fritara a cebola, com o azeite dela, aqueci-o bem, e aí fritei o bife, pouco mais de um minuto de cada lado, até selar a carne. Retirei-o. Como sou persistente, mas não teimoso (teimosos são os burros), temperei-o com flor de sal que, de novo o afirmo, dá um sabor mais suave a este tipo de pratos, e a outros.

Ontem, domingo, foi o meu almoço, com um tinto do Douro, Quinta da Canameira 2004, 13,5º, muito fechado no nariz, mas com uma excelente boca em aromas retronasais de compota e frutos vermelhos muito maduros, taninos já macios, um bom final e um excelente equilíbrio ente o corpo do vinho e o álcool, que não se sente. Um muito discreto sabor a madeira torna-o mais elegante. Um vinho de Foz Côa, da mesma quinta do azeite de que falo sempre, o mais que extra virgem, que este ano não saiu tão bom, um ano de azeite mais fraco em todo o lado por causa da chuva.

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sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Dica

Escolha sempre os frangos maiores, além de serem os que tinham mais saúde (por isso cresceram mais), a carne deles é mais consistente. Se escolher frangos do campo, escolha um para cima de 2 kg. Quanto maiores, melhor é o sabor e a firmeza da sua carne.

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quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Costeletas de borrego com puré de poejos e um molho ainda por baptizar

A hortelã, menta viridis, L. e o poejo, também chamado hortelã dos Açores, Mentha Puligium, L. pertencem ao mesmo género e têm ambas as ervas um aroma mentolado. Conhecendo-se a boa ligação que o molho de hortelã faz com o carneiro e o borrego, não será dificil imaginar o papel que este puré aromático desempenhou com as costeletas. Sem dúvida que potenciou o bom sabor da carne, que o sabor e aromas do molho viria a realçar ainda mais.

Usei: costeletas de borrego fresco, nacional. Batatas próprias para fritar, que são sempre farinhentas, as melhores para puré, e poejos, pimenta preta do moinho, manteiga, azeite mais que extra virgem e leite para o dito. Azeite, alho esmagado no passador, uma ponta de massa de pimentão e alcaparras de conserva para o molho das costeletas.

Cozi em vapor batatas com casca partidas ao meio, no sentido da sua menor largura. Passados 20 minutos estavam prontas. Pelei-as e passei-as no passe-vite para um tigelão já com manteiga. Bati a massa e acrescentei azeite, temperei com sal e pimenta preta, batendo sempre com uma colher. No copo misturador desfiz leite com bastantes folhas e rebentos de poejo. Amornei o leite e fui-o deitando no puré, sem deixar de bater. Quando a consistência me pareceu bem, levei-o ao lume, batendo sempre até estar quente e fofo.

Na chapa de grelhar, pus primeiro um pequeno tomate partido ao meio, que acabei por não utilizar. Coloquei as costeletas e grelhei-as, cuidando que não ficassem muito passadas. Temperei-as com flor de sal, que tem um sabor muito mais suave que o sal comum, marinho ou não. Reservei-as em lugar quente, onde já estava o prato.

Fiz o molho, com os ingredientes acima ditos, para passar nele a carne à medida que a fosse comendo, aquecendo-o no microondas. E empratei (a primeira costeleta do lado esquerdo, na imagem do início, era para estar chegada à seguinte...). Foi o meu jantar de ontem e garanto que estava um petisco de alto lá com ele. As costeletas, o puré, o molho. Ligações perfeitas. Mas de alentejano, como o imaginara e como vai sendo costume, nada tinha. Era para, com o puré de poejos, fazer umas migas enroladas de batata se, em vez de borrego, fosse carne de porco. Felizmente que encontrei de repente estas costeletazitas, aliás excelentes.

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terça-feira, fevereiro 20, 2007

Alheira com ovo e grelos

Tudo quanto tenho imaginado e posto aqui, se o imagino, é original, quanto original é possível ser o que criamos. Nada se cria de nada, há todo um substrato em nós a que é uso chamar-se cultura, neste caso cultura gastronómica, feita de experiência e de experiências. A montagem deste prato, por exemplo, tem algo a ver com esta aqui. Mas não é plágio. É uma experiência decorrente de ter visto aquela imagem, de resto muito diversa. Plágio seria apropriarem-se de receitas e imagens minhas e de outros blogues para um livro, cujo chiquisperto "autor" as desse como dele, coisa punível por lei. É certo que também pode haver plágio entre blogues, mas esse é facilmente remediável e não tem intuitos lucrativos.

Usei para a modernização deste comum e saboroso prato tão português: canelones para rechear, uma alheira de qualidade para o recheio, uma colher de chá mal cheia de massa de pimentão, hortelã finamente picada, uma gema de ovo bem fresca (*) do galinheiro de uma vizinha, para onde se juntam os restos desta casa, e ainda grelos de nabo, uma lata de pimientos del piquillo e banha.

Cozi os canelones durante 8 minutos em água, com um fio de azeite e sal. Ficaram al dente. Retirei-os da água e pu-los sobre papel, a enxugar.

Removi os grampos de metal que fechavam a alheira e golpeei-lhe a pele. Levei-a ao microondas para que ficasse bem quente e abrisse. Não abriu, mas foi fácil retirar o miolo do enchido para uma tigela. Aí juntei a massa de pimentão não só para temperar melhor o recheio, como para se ver os farrapitos vermelhos de pimento. As mesmas razões para a hortelã picada, só que para a próxima usarei uma colher de sopa dela por alheira, que sabia pouco a ela. Cortei os canudos dos canelones em diversos tamanhos e recheei, comprimindo o recheio. A alheira daria para dois canelones inteiros e meio.

Levei-os ao forno a 200ºC, pincelados com banha, sobre a folha de silicone. O objectivo, plenamente conseguido, foi tornar estaladiça a massa dos canelones, substituindo a pele de alheira, tão difícil de tostar. A grande maioria dessa pele é de uma substância comestível, mas não de tripa de porco, e por isso o enchido rebenta com tanta facilidade. Tirei os canelones do forno quando verifiquei que a massa estava seca e, por isso, crocante.

Entretanto, cozera em água com sal e depois cortara os grelos em pequenos troços. Temperei-os com um nada de azeite.

Já desfizera uns quantos pimentos de piquilho no copo misturador, e tinha-os passado por um coador fino, obtendo assim um puré liso. Podia ter usado pimentos vermelhos vulgares em lata, se os tivesse. Também podia ter cozido no microondas um pimento vermelho, mas isso era mais trabalho que iria arranjar. Além do mais, os pimentos que usei são muito bons, e não precisaram de nenhum tempero.

Com o forno ainda quente, pus uma gema numa pequena tigela com um pouco de água fria, levei-a ao forno e deixei-a só aquecer, rigorosamente vigiada para que não coagulasse.

Aqueci o puré de pimentos bem como os grelos no microondas. Então montei tudo como se vê na imagem do topo, o prato quente, claro. Foi o meu almoço de hoje.

(*) As gemas de ovos frescos são mais altas e firmes que a dos ovos da indústria à venda, frequentemente com meses de conservados em frio.

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sexta-feira, fevereiro 16, 2007

Mil-folhas de maçã e moira com a sua pele crocante, e uma entrada que não é de comer.

Ontem dei-me folga ao trabalho que normalmente me ocupa tanto que só me deixa tempo para chegar a casa, comer qualquer coisa e adormecer. Dizia meu pai que pior que trabalhar muito é não fazer nada. Se é certo que isso se encaixa também em mim, é comum eu ter bastantes saudades do dolcissimo far niente.

Às vezes olho os montes e os pinheiros da janela do meu gabinete, e sorrio quando o sol aparece. Mas faço-o brevemente, que logo a luz do ecrã me chama ao raciocínio com os seus números. No fundo, sei que o tempo de trabalho é mal empregado, que devia ter coragem de agarrar em mim e, como no tempo da Beat Generation, percorrer as estradas do mundo à boleia, e um dia voltar à minha Ítaca, como aconselha Kaváfis no seu poema homónimo muito celebrado (finalmente a ligação bem feita):

”(...) Mas não apresses absolutamente nada a tua viagem.
Será melhor que ela dure muitos anos

Bom, adiante.



Esqueço-me de que este blogue é de coisas de sustentar o corpo, embora nem só de pão (e de conduto...) devamos viver. Dispus pois de algum tempo da minha saborosa folga e fiz o que disse que ia fazer, embora sem o que depois me pareceu excesso.

Cozi o que restava da moira. Descarocei e descasquei a maçã Golden da imagem sob estas linhas. Parti-a em rodelas de 5 mm de espessura e temperei-as de sal. Reduzi, com um rebento de hortelã, o caldo de cozer o enchido, porque me soube a sopa de cozido à portuguesa. Espessei-o ligeiramente com Maizena e reservei. Separei o recheio da tripa que não é de plástico, mas de porco. Piquei o recheio e enrolei dois bocados de tripa em palitos e atei-os folgadamente. Comecei então a montar o mil-folhas, alternando as rodelas de maçã com o recheio do enchido. Segurei a montagem com dois palitos de espetada e levei-a ao forno pré-aquecido a 200ºC, sobre uma folha de silicone, juntamente com os dois pedaços de tripa enrolados. Deixei que assasse. A meio pincelei com manteiga. Uma vez o mil-folhas assado, piquei hortelã miudamente, juntei-a ao caldo com um pequeno gole de vinagre de cidra, e levei-o ao microondas para aquecer. Retirei os rolos de tripa dos palitos e montei o prato como se vê, pondo no tomate um pouco de flor de sal.

A ligação da maçã com a moira é perfeita e também a deste conjunto com aquilo a que, com o seu sabor a hortelã, chamei molho de cozido. A pele estaladiça da moira, melhor que a pele de uma alheira bem assada na brasa, casava entusiasticamente, pelo contraponto de texturas, com o mil-folhas. O tomate, nos antípodas do seu melhor mês que é Agosto, foi muito mais uma mancha de cor necessária à estética do prato que outra coisa. Sabemos bem que os olhos também comem e que o tempo dos tomates doces é o Verão.

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quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Escolhas

Hoje uma das cozinhas que mais me atrai é a cozinha criativa, uma evolução da nouvelle cuisine que veio, nos anos 70, contestar os conceitos da haute cuisine francesa em que reina o peso de molhos e complicações muito elaboradas, que não poucas vezes transformam, quando não ocultam, o que se está a comer. Claro que gosto desta cozinha, não já para a fazer, embora ainda tenha no activo receitas dela.

A nova cozinha realça a matéria-prima, sempre de grande qualidade e pouco elaborada, aligeira os pratos, e em vez de jogar barrocamente com o peso das complicações, joga com a ligação de sabores simples, de texturas, de cores e formas, de cujo exemplo deixo a seguir uma das minhas mais extraordinárias experiências gastronómicas.

No restaurante de Juan Maria Arzak, o mais antigo dos três grandes restaurantes de Espanha, com o Can Fabes e o El Buli, saboreava eu um menu de celestial degustação, quando me vêm com três cubos de cordeiro do tipo francês, grelhados no seu exactíssimo ponto, que é o da carne rosada, como sabemos. Acompanhava-o um esparregado de feijão verde com pistácios ralados.

Levei um pouco de borrego à boca e, ao dar-me conta do seu sabor, espantado com a vulgaridade, perguntei aos meus botões “Que raio de coisa é esta?”, tão mais eu gostava do nosso borrego, que também é o comum em Espanha. Aquilo só tinha sal. A carne era de primeira no seu género, ali só poderia sê-lo. Calha é que sempre fui meio indiferente a borrego de raças para carne, francesas e inglesas, pesados e grandes, animais cujo sabor se situa entre o do cordeiro ibérico e o do novilho. Como diria Jô Soares, esses borregos são cordinovilhos.
Mal acabei de comer o pedaço de carne, provei um pouco daquele esparregado verde-claro. Indiscritível! O sabor do esparregado fez elevar o sabor remanescente do cordeiro a alturas orgásmicas, perdoe-se-me a origem e o excesso do neologismo.

Claro que já andei pela cozinha francesa, receitas da tradicional e da haute, fiz coisas delas com os livros abertos, e ainda faço algo às vezes, como disse, o peru de Natal é um exemplo neste blogue, para não falar em restaurantes, gauleses e não só, não vá eu parecer pedante (coisa bastante parva).

Mas também fiz e faço pratos de outras cozinhas, com relevo para a espanhola, e pratos avulso que conheço de livros de receitas e de restaurantes do mundo.

Mas, sobre todas estas, está a nossa cozinha regional, tão variada e rica, pela qual conservo um interesse semelhante ao da cozinha criativa, por vezes mesmo tentando desconstruí-la, ao querer modernizar amadoramente a tradição.

Há também a cozinha de família, a maior parte das vezes simples nos seus temperos e que tanto me agrada, presente em muitos dos blogues na coluna à direita, a cozinha de todos os dias, que nunca cansa e a dos dias de festa, em geral em datas religiosas.

Enfim, quero com isto dizer que me tornei bastante parcimonioso em complicações de gostos, especiarias e temperos, depois de ter sido pródigo neles. Nunca esqueço, todavia, que as tripas à moda do Porto exigem cominhos, que no frango de churrasco vai bem o piriri, etc.

As misturas de ervas, especiarias e o que mais calhar é que já não são comigo, com excepção de pratos que confecciono às vezes das cozinhas indianas e dos países de expressão portuguesa, de que gosto muito, e ainda de alguma árabe, para não falar de outras só provadas em restaurantes e que nunca fiz.
As ligações entre os componentes dos pratos e sobremesas são para mim uma evolução pessoal do gosto, uma forma superior de tempero e degustação, sem descartar obviamente os condimentos com lugar estrito nesse jogo. Ando a pensar num puré de batata como parte de uma composição de sabor a Sul. Que leva o puré? Batatas, poejos (e arranjá-los?), leite, um nada de pimenta preta, sal, manteiga ou banha. Precisará de mais alguma coisa? Estou quase certo de que não.

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domingo, fevereiro 11, 2007

Um teste de regresso

Ontem fiz um chek up ao aparelho digestivo com um jantar algo violento. Ou estava em ordem ou não estava. Nem buliu. Só não bebi vinho. O andaço foi-se de vez, de resto os incómodos duraram apenas dois dias.

À tarde andei pelo Continente a ver se me suscitava ideias, a não ser a que me oprime quando lá vou no sábado à tarde. O sentimento de que o Inferno é esta imagem de humanidade a passear entre prateleiras, aos magotes, sem espaço.

Trouxe de lá umas febras de lombo do cachaço, uma moira (esplêndida) da Beira Lamego, um quarto de broa da padaria do Museu do Pão, em Seia, quatro pêras Rocha, duas das quais podres sem se ver nada por fora, outra a que caiu o pé, restando-me portanto só uma para fazer a sobremesa que tinha imaginado.

Temperei as febras, esfregando-as com alho esmagado e uma pisca de sal (pouco). Cozi um troço da moira em água. Numa sertã, pus banha feita por mim com toucinho de porco preto e fritei nela, por prato, uma fatia de broa sem côdea, com 1 cm de espessura, até tostar. Noutra sertã, as febras fritavam também em banha, o lume médio, depois de sacudidas do alho. As fatias de broa douraram depressa. Guardei-as no forno que aquecera e desligara. Limpei a frigideira com papel, pus banha nova e fritei rodelas de maçã aos quartos, temperadas com sal fino e pimenta preta do moinho. As febras tinham acabado de fritar, também estavam douradas, e misturei-lhes massa de pimentão, dei-lhes uma volta muito breve ao lume e montei o prato, pondo na base a maçá, a seguir um troço de moira aberto, a seguir mais maçã, e encostei as febras e a broa. Polvilhei o prato com um pouco de pimentão.

Um dia destes faço um mil-folhas com maçã frita às rodelas, alternando recheio de moira, picado de carne de porco temperado como para as chouriças e morcela.

Para a sobremesa, cozi a pêra sobrevivente em vinho tinto carregado de cor, a que juntei 20% do seu volume em peso de açúcar. Claro que a descascara antes e lhe acertara a base para ficar plana e assentar bem.

Pus duas tangerinas verdadeiras no copo de batidos e desfi-las. Espremi o sumo de mais três, a que juntei açúcar a olho, e levei-o ao microondas para ganhar ponto já cerca do ponto de pérola. Temperei-o nem meia colher de chá das tangerinas desfeitas para que tivesse mais sabor ao fruto, mas sem o xarope ficar amargo. Entretanto já retirara a pêra do vinho para um prato e reduzira um cálice de porto (Dona Antónia). Tudo arrefecido, derreti um pouco de chocolate branco em banho-maria.

E comecei a montar a sobremesa: encimei a pêra com chocolate branco derretido. No prato de serviço pus o porto reduzido e no centro deste, deitei o xarope de tangerina. Em cima coloquei a pêra.


O chocolate, da Nestlé, não prestava, tinha pouca manteiga de cacau e por isso não ficou líquido como acontece nos chocolates profissionais de cobertura para bombons, etc. Queria uma fina camada de chocolate (como a dos gelados) e tive de fazer aquela escultura... Para a próxima junto-lhe manteiga de vaca sem sal. O problema foi que tive de comer o chocolate separadamente e poderia ter comido pêra e chocolate juntos. Também, quando fizer de novo esta sobremesa, porei só xarope de sumo de tangerina, dispensando a redução de porto. A ligação da pêra com o xarope de tangerina e com o sabor do chocolate é que dá um toque especialíssimo a esta sobremesa, às pêras bêbedas que todos conhecemos. A redução de porto estava a mais, embora tivesse deixado o prato mais bonito.

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sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Quebrando a monotonia sem pecar



Como se diz por aqui, esta coisa do fígado é andaço, e ao andaço os médicos chamam vírus, microorganismo ínfimo de costas largas quando não se sabe o que se passa. O tempo, a dieta e o impossível repouso são os únicos remédios, ao que sei, para este enjoo de tripa mole.

No entanto, durou pouco, e, anteontem, já bom mas continuando com a dieta, fiz um caldo com alho francês, cenoura, salsa, um arzinho de tomate (meio, pequeno), um dente de alho, aipo, cebola, meio nabo e carne de vaca sem gordura. Coei, reduzi para o tornar com mais su(b)stância. Pus massas de cotovelo. Quando ficaram al dente, provei de sal e comi com fome. A cor ficou igual à da imagem.

Penso que qualquer dia farei um consomé com este caldo, tão saboroso estava, mas sem o reduzir. É só desengordurá-lo totalmente: põe-se no frigorífico e no dia seguinte retira-se a gordura, que solificou com o frio. Aquece-se até à fervura e clarifica-se com claras batidas e, por fim, coa-se por um passador e passa-se por um filtro. Um consomé quente no Inverno e frio no Verão.

Por falar em Verão, que saudades já tenho das copas verdes, cheias de sol e de força.

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sábado, fevereiro 03, 2007

De quarentena


Estive 24 horas sem comer, tal foi a volta que algum veneno me deu. Finalmente, hoje jantei o que está no prato acima. Dieta, que remédio. No entanto, gosto bastante de canja assim servida, a canja e, neste caso, pedaços grandes de frango do campo, na imagem uma coxa, uns olhitos de hortelã para perfumar o caldo, um pouco de arroz a mais do que é costume. Não poucas vezes é prato único. O mal é que tive de fazer a sopa com arroz redondo para paelhas, e deixá-lo cozer bem para largar a goma no caldo. Em tempo normal, uso arroz agulha, al dente, com 20 minutos de cozedura (a esta altitude, em que a água ferve a 98ºC).

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quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Bolo de Azeite

Diz-se bolo de azeite, mas não leva açúcar. Talvez o tenham baptizado assim para o diferenciarem do pão diário, porque é mais rico e também para melhor o honrarem. Fazia-se e faz-se ainda hoje pela Páscoa nos lugares perdidos da Beira Interior e suas esbatidas fronteiras.

Os ovos e o azeite, que o distinguem do outro pão, eram preciosos no tempo da antiga penúria. Uma penúria diferente da de hoje. Hoje, muito maioritáriamente, é preciso dinheiro para a farinha, para os ovos, para o azeite e para tudo. Dantes, em boa parte das famílias rurais, havia, além do resto, este pão rico para festejar a ressurreição de Jesus de Nazaré, a sua deificação, afinal.

Como observou uma pessoa amiga, hoje a penúria é total quando penúria. No alcatrão urbano não crescem searas nem oliveiras nem há galinhas a vadiar, nem a solidariedade que havia no meio rural e que pontualmente acudia à miséria. Nos lugares urbanos que acolheram a imigração dos campos deixados a monte, é preciso dinheiro também para este bolo, que se vende industrializado todo o ano, cuja qualidade nada tem a ver com a deste.

Fiz o bolo de azeite no domingo passado, com 1/2 Kg de farinha de trigo, primeiro ainda que a Paula do Rap'ó Tacho, que pediu a receita no seu blogue e eu fui lá escrever-lhe esta, depois de a ter procurado nas origens.

Deu-ma na altura a dona de uma casa farta algures, numa aldeia beirã, já quase a confinar com o Alto Douro. Só que para 10 kg de farinha...


Fiz o isco com farinha e 20 g de fermento e água mais que tépida, de modo a ficar um pouco mais mole que a massa de pão. Deixei levedar para o dobro (levedou mais).


Adicionei 1/2 kg de farinha de trigo tipo 55 e sal, e fui juntando 5 ovos médios, enquanto amassava. Depois, como achei a massa ainda dura, juntei um pouco menos de 0,5 dl de leite tépido, e continuei na faina até a massa se me descolar dos dedos. O meu robot de cozinha avariou (a que a tigela inox das imagens pertencia) , e agora tenho de esperar onze meses pelo Natal, pode ser que o Menino Jesus me traga um novo.


Foi então que juntei 100 ml de azeite, o azeite de Vila Nova de Foz Côa que uso para tudo e de que falo aqui repetidamente, tem 0,3º de acidez e é muito frutado, sabe muito a azeitona, o que é de grande vantagem para este caso. Tornei a amassar até incorporar bem o azeite.


Coloquei então a massa no tabuleiro de ir ao forno, sobre uma placa de silicone e deixei-a levedar.

Levedada, tornei a amassá-la e tentei dar-lhe o formato do bolo que se vê nas padarias e pastelarias, que é mais ou menos o que se vê no Rap'ó Tacho. Em vão. Ainda enfarinhei a massa, mas nada. O certo é que os bolos de azeite, que tenho visto e saboreado quando feitos por gente que guarda essa tradição, não têm tal formato, são redondos como pães grandes. Isto não perdoa a minha azelhice, perdoa, isso, sim, eu não ser padeiro, embora gostasse bastante de fazer pães e pãezinhos quando tinha a minha saudosa auxiliar, avó desta.


Deixei levedar de novo o bolo para o dobro do tamanho e levei-o ao forno pré-aquecido a 180ºC. Às tantas, a parte de cima começou a descolar da de baixo, deixando entre ambas umas perigosas tiras de massa... Apressei-me a cortar com uma faca, em plena cozedura, essa espécie de cordões umbilicais. Quando o bolo ficou lourinho, retirei-o, dando-o como pronto. Afinal estava bonito. No entanto, passado talvez meio minuto, lembrei-me de lhe espetar o palito da praxe. Ainda não estava bem cozido... Voltou ao forno para acabar de cozer.

Agitada história, a deste bolo de azeite, rio-me. Mas estava bastante bom, como aqueles caseiros que vou provando quando tenho sorte, a massa igual, mas diversa da dos bolos de azeite industriais, que é muito mais próxima da dos papos-secos, leva corante e o azeite é racionado como em tempo de guerra.

Desta mesma receita, descobri-o depois de a fazer, deriva o Bolo Podre, da Beira Alta, juntando açúcar a gosto e canela.

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